Vamos para a fila

Hoje estive na fila do IRS. (Sim, eu também pago IRS)

Bem… Não era bem uma fila.

Era uma fantástica repartição de finanças com um daqueles rolos de números em papel. No entanto as pessoas tiravam o número e iam à mesma para a fila.

Os números são usados para vários fins, sendo que um deles é supostamente para evitar que a populaça se subleve de cada vez que um utente do serviço por acaso se engana e passa para a frente de outro.

“”Desculpe, minha senhora, mas eu estava à sua frente.””

E logo mais duas ou três vozes se levantam em côro para confirmar: “”Pois estava. Este senhor chegou antes e si.””

Diz-se “”Desculpe”” pois que o povo português parece que nasceu por engano e leva o tempo todo a pedir desculpa por respirar.

Hoje, com o rolinho dos números, tivemos de arranjar outras razões para discutir.

“”O meu número já passou.”” – diz que foi a outro guiché, mas todos sabemos que foi ao café, e quando voltou tinha perdido a vez.

“”Pois, minha senhora, mas se eu a deixo passar depois tenho de deixar passar toda a gente.””, diz o funcionário enquanto um burburinho se ouve no meio dos que aguardam.

“”Por esta passa.””, informa o funcionário, condescendente e convencido do seu poderzinho, enquanto o silêncio na fila diz aquilo que ninguém quer dizer em alto, deixando o cheiro do medo de ser perseguido por fazer o que estava correcto.

O senhor funcionário excedeu aqui os poderes que lhe eram conferidos, dando a um o direito dos outros, colocando assim a saque a moral inerente ao rolinho dos números da fila de espera.

É que do alto do seu poderzinho, o senhor funcionário, abriu o precedente para que numa futura visita todas as pessoas que assistiram e se sentiram lesadas não cumpram cívica e respeitosamente com o disposto de que temos de aguardar à mesma, não necessitamos de fazer fila, mas não podemos ir ao café, ou teremos de acatar com as consequências que daí advírem.

Quando para o ano for novamente para a minha fila do IRS, e alguém por acaso deixar passar o seu número, e todo o protocolo se repetir, as vozes estarão mais iradas, porque todos os anos é a mesma coisa, mas este ano com mais frequência, e a populaça irá dizer que a culpa é de um qualquer ministro, desculpando-se o senhor funcionário de um precedente que ele próprio abriu, e ninguém vai perceber que o que é grande já antes foi pequeno.

Desta vez não há votação.

25 de Abril (Atrasado)

Queria ter sido o primeiro a falar do 25 de Abril este ano. (Mas chego tarde)

Não da revolução dos cravos, do PREC ou dos Governos que o seguiram.

Quero sim falar da liberdade que foi ganha com os cravos e com os dias que tudo herdaram.

A liberdade não dizia respeito a zonas a preto ou branco, mas sim para as zonas cinzentas a que ambos pertencem.

O que a liberdade alterou foi a possibilidade de nos exprimirmos sobre o que quiséssemos, no lugar que pretendêssemos.

Esta liberdade nada tinha a ver com a possibilidade de se desrespeitar os nossos mais velhos, as nossas instituições, os nossos tudo.

Sim, porque todos temos liberdade, significa que temos mais responsabilidade uma vez que deixámos de ter quem nos verifique os discursos e as ideias no sentido de procurar elementos passíveis de levar à subversão.

Agora não temos os censores, permitindo-nos exercer livremente a dita liberdade, no entanto a subversão continua a existir.

Que se acalmem se pensam que peço o retorno dos censores, pois não é disso que se trata.

O que peço sim, é a revisão dos sistemas de liberdades adquiridas e se verifique se na sua definição foram acrescentadas as responsabilidades.

Aparentemente, as responsabilidades que a liberdade implica são de difícil cobrança. Liberdades como a das televisões e jornais de seguirem as famílias das vitimas da negligencia grosseira de Entre Rios até aos refúgios de dor e pesar daqueles que são impotentes de dizer ou fazer.

Podem sempre os orgãos de comunicação social afirmar que apenas informam o que vêm, mas não deverão eles próprios pôr a mão na consciência no sentido de verificar que o uso da liberdade que ganharam não transcende já a deles e invade a das nossas casas em hora de jantar quando sem aviso ou respeito por horário passam imagens de massacres com seres humanos a serem mutilados, ou fantasmagorias de corpos em decomposição da ultima novela do autocarro que caiu da ponte, tão espectacularmente anunciada pelo canal de Carnaxide como “”A tragédia da ponte”” como se do novo seriado de TV se tratasse.

Os Manueis Subtis latentes que se escondem no meio de nós podem agora fazer uso da dita liberdade, capitalizando no que custou tanto a ganhar, sem que por isso tenham de pagar com a sua responsabilidade, sem que por isso possamos perseguir os cúmplices de todos os barricados, por que estes apenas contam o que vêm, desresponsabilizando-se da sua maior obrigação que é a preservação da sua liberdade.

Será que ao se dar demasiado ênfase a este tipo de desgraças não estaremos a retirar a liberdade das pessoas de ligar o receptor e não ter de passar por coisas que doutra forma poderia evitar?

Será que teremos de nos refugiar nos canais temáticos?

Aparentemente, os guardiões da nossa liberdade não se dão conta que apenas estão a dar trunfos para que homens de honra sejam obrigados a fazer o que os subversivos pretendem.

Criar leis que eles próprios deixaram de poder controlar.

Diz-se no mundo dos negócios que uma empresa que não se define em nenhum mercado acaba ela própria por ser definida por todos, sendo obrigada a refugiar-se moribunda num vão de escada.

Os orgão de comunicação social deviam rever em conjunto a sua actuação gananciosa e tentar encontrar uma maneira de não matarem a galinha dos seus ovos de ouro: A Liberdade.

Á LIBERDADE.