Thomas Piketty, as opções e as narrativas

Rendimento médio em Portugal a preços de 2005
Rendimento médio em Portugal a preços de 2005

Estive na Fundação Calouste Gulbenkian para ouvir Thomas Piketty falar sobre a desigualdade da distribuição de rendimentos. Eu era um entre muitos, mesmo muitos, que encheram o auditório, as suas escadas, os espaços do átrio e o exterior do edifício. Na minha opinião, não terá sido tanto o livro que encheu a sala, mas a vontade para ouvir os factos que sabiam poder apontar a uma nova solução.

Durante mais de uma hora o autor passou pelos principais pontos do seu livro “Capital no século XXI”. Os dados que apresentou não eram de Portugal, mas eram sobre os portugueses. Os dados apresentados sobre os outros países demonstraram o crescimento da desigualdade após os anos 80 em vários países, entre eles países da nossa Europa. Os rendimentos dos 10% com maiores rendimentos foram crescendo, enquanto os rendimentos dos restantes 90% praticamente não tiveram qualquer alterações.

Os dados para Portugal não são muito diferentes daqueles que este autor apresentou. Mesmo sem os rendimentos de capital, os dados para os rendimentos médios em Portugal a preços de 2005 obtidos na mesma base de dados com que o autor efetuou as suas análises mostram que os 10% com maiores rendimentos se vão gradualmente distanciando dos 90% com menores rendimentos.

Este ciclo deve ser alterado. A distribuição dos rendimentos e igualdade de oportunidades para todos os cidadãos tornam-se um objetivo a cada geração mais difícil de cumprir. Isto acontece como consequência do acumular das desigualdades que vão sendo herdadas, geração após geração. As gerações descendentes daqueles que têm menores rendimentos e menores oportunidades dificilmente conseguirão acompanhar as oportunidades geradas para aqueles que descendem dos 10% com os maiores rendimentos.

O que todos devemos entender é que a solução nunca é simples, mas que não devemos deixar de procurar por alternativas. A boa noticia é que há sempre uma solução. O que deve ser claro é que não há só uma solução. As alternativas não podem ser construídas na narrativa com que nos convenceram a enveredar pela austeridade. O problema não vêm da benevolência da austeridade ou da malevolência do capital, mas das desigualdades que estes geram se não forem contrabalançados com políticas de redistribuição através do investimento na criação de oportunidades para aqueles que não tiveram rendimentos para acumular.

(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 28 de abril de 2015)

Uma nova visão para a Europa

Se me perguntassem ontem sobre o futuro da Europa, iria dizer-vos que a herança dos últimos anos de Durão Barroso no eixo franco-alemão é pesada e deixou feridas difíceis de sarar nas populações dos vários países; que o discurso do atual governo não passa de uma cópia da narrativa alemã; que o futuro é cinzento e sem esperança porque aos cidadãos, jovens e velhos, já não interessa a Europa ou a política.

A minha participação na iniciativa Café Europa que decorreu há dias no ISCTE-IUL devolveu-me a esperança nos cidadãos europeus.

Sob a moderação e organização de um jornalista e a orientação de dos alunos do Doutoramento e Mestrado em Ciência Política do ISCTE-IUL e com as boas vindas de um professor universitário, falou-se na deliberação democrática e na representação dos cidadãos. Em torno de várias mesas de discussão, reuniram-se atores, desempregados, doutorandos, mestrandos e outros estudantes universitários.

Discutiu-se, mas não através do soundbyte ou com a agressividade que caracteriza hoje o debate político dos media. Discutiu-se no sentido nobre da construção e da formação das ideias de um projeto político. Tenho agora uma visão de futuro para a Europa que resulta das ideias que partilhei com os participantes no Café Europa.

Os fragmentos do diagnóstico e as propostas de solução estavam em todos os discursos dos participantes, desde a evolução dos tratados económicos até à Europa dos dias de hoje, sem esquecer que estes tratados foram conseguidos pela pacificação dos cidadãos através de medidas de redução das desigualdades. Nas propostas apresentadas, pediu-se mais participação nas decisões, maior transparência nas instituições e menos desigualdade entre todos os cidadãos de uma nova Europa.

Entendo que há hoje uma nova visão comum para a Europa que não passa só pelos indicadores económicos. Uma Europa que se projeta como ator mundial pela racionalidade e pelo suporte social às suas populações. A igualdade entre os cidadãos desta nova Europa irá manter a coesão e unidade interna que é a imagem que queremos projetar para o exterior. Só promovendo a imagem que criámos para nós próprios conseguiremos falar como uma Europa, a uma só voz.

(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 08 de abril de 2015)