Feliz Ano Novo

Completamente a despropósito, o ano novo não trás nada de novo.

Estou outra vez atrasado. O ano novo foi à tanto tempo e eu nem disse nada durante este tempo todo

Digo-vos que também não sou grande adepto da festividade.

Os donos dos bares e discotecas confundem-na com o Carnaval e os seus clientes confundem o chão com a sanita.

Cobram-se três ou quatro vezes o valor da entrada com a vantagem de apenas terem investido em papelinhos, balões e serpentinas. Eventualmente compra-se um disco de Carnaval no supermercado, com a Chiquita Banana e outras pérolas do Samba Carioca que toca incessantemente até os convidados caírem de podre.

Logo cedo chegam aquelas pessoas que só vão à rua no Carnaval e, claro… no Ano Novo.

Naturalmente que com a perspectiva descrita eu também só saía de casa de seis em seis meses.

As pessoas que chegam mais tarde são as mesmas de sempre, os chamados habitués. Uma espécie de decoração de balcão que serve para encher o espaço para parecer que têm muita gente e a quem os donos destes estabelecimentos vão facilitando umas doses grátis de bebida branca e conversa para os manter sossegados.

Por esta altura já a sala está cravada de lantejoulas e mau gosto

As gravatas apertadas em caras mal barbeadas com penteados por aparar pulam de um pé para o outro na esperança de hoje ser o dia em que vão tirar o bicho da miséria com alguma relaxada que se deixa enganar.

Perto da meia noite o entusiasmo está no seu auge e há que encontrar passas e uma imitação de champanhe qualquer para brindar.

A música baixa e o Mestre de Cerimónias, algum porteiro ou patrão, que se convenceu à muito que desperdiçou em tempos uma carreira brilhante nos Mass Media, dita os segundos que faltam:

– Dez!…

– Nove!…

– Oito!…

– Sete!…

– Seis!…

Passa a passa. Chegam as 12 badaladas. Beijos e abraços.

Alguns choram por terem chegado ao fim de mais um ano, como se o ano novo fosse realmente novo.

É apenas a continuação do segundo anterior, do minuto, da hora, do dia, do mês, do ano, do século. Uma eternidade em fila de pirilau, em que o ser humano consegue ter menos importância que os chatos têm no escroto: Algo que sabemos que pode lá estar e de que nos queremos ver livres.

Tal e qual comboio sem condutor, a noite prolonga-se até altas horas, como se cada novo minuto permiti-se novas oportunidades nunca vistas surgirem.

Há que esperar pelo nascer do sol, uma vez que nos outros dias aparentemente ele não nasce.

E hordas de zombies, atestados de bebidas alcoólicas e outros alterantes do estado de espírito, dirigem-se todos para a praia ou espaço aberto mais próximo, e como basbaques aos caídos, olham para o céu.

Lamentavelmente ninguém se lembra que lá porque o ano mudou, as continhas continuam por pagar, o patrão não deu férias a toda a gente e os impostos não vão tardar.

Mas o ano novo é acima de tudo a festa dos nada têm para festejar, tendo assim uma razão de se felicitarem por algo que era absolutamente inevitável. Tipo desportista de bancada:

– Granda golo que marcámos. – Mas quem chutou a bola foi alguém que eles só dizem conhecer porque lhes é dado a saber pelos jornais e que a única ligação é a quota que pagam ao clube e que podia ser ele ou outro qualquer, desde que pagasse.

Assim como no futebol, o essencial escapou-se nas barbas do desportista de bancada da vida. Mais um ano em que podia ter feito algo, lutado por alguém, ajudado outros tantos, e por ter sido bem sucedido nas suas demandas, ficar feliz. Mas a sua natureza não é essa.

Como vacas na pastagem, ficam felizes por pastar, regozijam-se por cagar, não sabe, de onde vem a erva, nem para onde vai a caca, mas todos os anos felicitam-se por sobreviverem mais um ano ao matadouro.